19/11/2012

MAIS VALE QUEM DEUS AJUDA OU QUEM CEDO MADRUGA - UMA ESTÓRIA DE TRANCOSO





MAIS VALE QUEM DEUS AJUDA OU QUEM CEDO MADRUGA?
PÁDUA DE QUEIRÓZ
PARA OLIVIA BANDEIRA DE QUEIRÓZ

Lá pras bandas do Candéia
Do meu São Sebastião
Tinha lá um fazendeiro
Que era o rei do algodão
Além do milho e da fava
Plantava arroz e feijão.

Em sua propriedade
Tudo, tudo ele tinha
Um engenho de açúcar
Uma casa de farinha
Gado de corte e leite
Carneiro, porco e galinha.

Sua fazenda era grande
Tinha açude com barragem
E água não lhe faltava
Nem durante a estiagem
E tudo ali era fruto
De seu suor e coragem.

Ele nunca dava um prego
Ou uma esmola a alguém
Nunca assistiu uma missa
E dizia não me convém
Eu não me apego as coisas
Que eu sei é do além.

Suas terras limitavam-se
A um casebre pequenino
Lá residia um bom homem
Que sempre ao santo Divino
Agradecia em sua preces
Sem reclamar do destino.

Muitas vezes o pobre homem
Não tinha o que comer
O que plantava em suas terras
Não conseguia colher
Mas nada disso o importava
E dizia: Deus há de prover!

Mas um dia o pobre homem
Vendo a fome castigar
Sua mulher e seu filho
Deu vontade de chorar
Foi ao seu vizinho
Algo pra se alimentar.

E andou mais de três léguas
Da sua casa ao terreiro
Da fazenda do vizinho
E ao chegar disse primeiro
Compadre pelo amor de Deus
Eu não vim pedir dinheiro!

Eu só quero que o senhor
Por favor queira ajudar
Esse seu vizinho que
Nada tem pra cozinhar
Me ajude que eu sei
Jesus há de lhe pagar!

Disse o homem arrogante
Peça a ele que lhe acuda!
Eu acordo muito cedo
Pra não viver de ajuda,
Em seu Deus não tenho fé
Mas vale quem cedo madruga!

O pobre disse ao fazendeiro:
Compadre não diga heresia!
Deus é que bota na mesa
O seu pão de cada dia!
E o ateu disse: eu aposto
E lhe dou digna moradia!

Se você estiver certo
Porque sei não vem de Deus
Minha terra fértil e farta
E todos os rebanhos meus.
Porém se você perder
Eu amputo os membros seus!

O pobre pensou e disse:
Tenho fé em Deus do Céu,
Está fechada a aposta
Eu não sou um esmoléu,
Além de corta meus membros
Ainda lhe dou meu chapéu!

Mas qual será a aposta
Que o senhor quer fazer?
O rico falou: é tão fácil!
Basta alguém responder
Mas vale quem Deus ajuda
Ou madruga pra comer?

E continuou dizendo:
Vamos perguntar no caminho
Mas vale quem Deus ajuda
Ou quem acorda cedinho?
Vai ser uma melhor de três
E não me faça beicinho!

Naquele mesmo instante
Rumaram para o Putiú
Ao avistarem uma velha
Puxando um boi zebú
Disse o rico: compadre,
Primeiro pergunta tu!

O pobre humildemente
O seu chapéu retirou
E à velha no caminho
Firme e forte perguntou
E a velha em resposta
Disse: louca eu não sou!

Mas vale quem acorda cedo
Deus não planta e nem cria
Não mata a sede do homem
E a fome do dia a dia
Vivo feliz sem seu Deus
E meu nome é Cutruvia!

Um a zero  - disse o rico
Vamos seguir em frente!
No caminho do Coió
Não viram um pé de gente
Até avistarem um menino
Careca, magro e sem dente.

O pobre triste olhou
Para o rico e disse então:
Agora faça o senhor
Ao a moleque a indagação!
Sei que Deus vai me ajudar
Vou vencer essa questão!

Primeiro o rico perguntou:
Moleque qual é o seu nome?
E o menino respondeu:
Cafunga, do Zé da fome
Mas garanto lá em casa
Quem chegar tarde não come!

Não eu não quero comer
Disse o rico - só uma resposta
Eu pretendo obter
Porque eu fiz uma aposta.
Você acha que  Deus ajuda
A surtir a mesa posta?

Mas que mentira, seu homem!
Disse o moleque sem medo.
Deus não ajuda ninguém
E não é nenhum segredo,
Só come bem todo dia
Quem acorda muito cedo!

O rico esfregou as mãos
Olhando então para o pobre.
Gritou: perdeu a aposta!
Onde está teu Deus tão nobre
Que Deus é esse compadre
Que nunca te deu um cobre?

Mas eu quero lhe mostrar
Que eu não sou tão cruel
Vou cortar só uma perna
Mas eu quero o seu chapéu
Pra mim guardar lá em casa
Como se fosse um troféu!

Junto a um pé de marmeleiro
No sol de quase meio dia
O rico deixou o pobre
Amputando que sofria
Pedindo forças a Jesus
E a sua Santa mãe Maria.

Já estava anoitecendo
E o pobre muito ligeiro
Subiu no alto daquele
Grande pé de marmeleiro
Pra se proteger das feras
E esconder o mal cheiro.

Que forte odor emitia
Daquele seu ferimento
E lá encima da árvore
Ouviu rinchar um jumento
E pensou: é meia noite
Nesse exato momento!

Então um forte barulho
E  uma grande ventania
Balançou forte os galhos
Da árvore que lhe servia
De abrigo e proteção
Naquela triste agonia.

Ele então ouviu vozes
E quando olhou para o chão.
Viu uma fogueira acesa
Parecia uma convenção
Pois debaixo do marmeleiro
Estava infestado de cão.

Um dizia: cão fulano
Qual foi a tua maldade
Praticada por ai
Quero saber a verdade
Porque eu também fiz uma
Bem pertinho da cidade?

O outro disse: cão ciclano
Tem um homem na região
Que é conhecido pela
Alcunha de Zé Bodão
Tem tanto gado no curral
Mas falou que nem o cão.

Conseguiria acabar
Todo boi do seu curral
Eu botei uma doença
Nem eu sei qual foi o mal
Mas garanto no fim desse dia
Seu rebanho chega ao final.

Mas ele nem sabe que
A folha do marmeleiro
É o melhor remédio
Pra tirar do seu terreiro
Essa maldição que eu
Botei porque sou matreiro!

Logo após o cão beltrano
Disse: isso não é nada
Tem uma mulher lá pras bandas
Daquela serra queimada
Que vivia me chamado
E agora está calada!

Enquanto ela dormia
Eu lancei o meu feitiço
Essa eu sei que nunca mais
Reza nem pra Padim Cirço
Mas só a folha do marmeleiro
Poderá lhe curar isso!

E o que foi que tu fez
Meu compadre cão fulano?
Será que a sua maldade
Foi maior que a do ciclano?
Conte logo fío duma égua
Quero saber do seu plano.

Ora,ora cão beltrano
Veja como é besta o povo
Com muita felicidade
Foi narrando o fato novo
Cão ciclano em gargalhada
Assava no fogo um ovo.

Lá pras banda do Candéia
Uma aposta sobre Deus
Dois compadres fizeram
E veja o que aconteceu
Eu virei velha e menino
E ligeiro um perdeu!

Ele dizia que Deus
Ajudava todo mundo
O que ganhou a aposta
Cortou no mesmo segundo
A perna do infeliz
Que por ai moribundo!

Deve está arrependido
Por acreditar em Deus
Sem saber que o marmeleiro
Resolve os problemas seus
Esse com toda certeza
Não duvido, já morreu!

A folha do marmeleiro
A sua perna colaria...
Cambada vamos embora
Já vai amanhecer o dia!
E vamos sair pelo mundo
Pra fazer extripolia!

E um estrondo se ouviu
Naquele dito momento
O pobre em cima da árvore
Elevava o pensamento
Agradecendo a Deus
Por aliviar seu sofrimento.

Pegou então uma folha
E usou para curar
A sua perna amputada
Para depois ajudar
O seu semelhante que
Sofria noutro lugar.

Com sua perna sarada
Depressa pulou no chão
Encheu os bolsos de folhas
E saiu na direção
A casa do fazendeiro
De alcunha Zé Bodão.

Ao chegar contou-lhe a história
Que lhe tinha acontecido
Zé Bodão disse: compadre
Foi Deus que me deu ouvido
E me mandou o senhor
Disso eu sei não duvido!

E rumaram para o curral
Que exalava um mal cheiro
Era tanto gado morto
Espalhado no terreiro
E misturaram a ração
Com as folhas de marmeleiro.

De repente uma explosão
Bem no meio do curral
Parou gado de morrer
Zé Bodão disse: esse mal
Não vai mais ceifar a vida
Do meu belo animal.

Por isso caro compadre
Eu quero lhe recompensar
Pode escolher o gado
O que puder carregar
Com certeza amanhã
Deus muito mais me dar.

E saiu com vinte mil
Cabeças selecionadas
O pobre com seu gadinho
Rumo a Serra Queimada
Para ajudar a mulher
Que não falava mais nada.

Andou mais de sete léguas
Mas chegou na moradia
Onde a mulher enferma
Em silêncio padecia
Mas antes deixou seu gado
Numa lagoa que havia.

Na casa dessa senhora
Ele foi bem recebido
Um cafezinho bem quente
Para ele foi servido
E contou sua história
Conforme foi ocorrido.

Fez o remédio com a folha
Que em seu bolso estava
Guardado para tal fim
Conforme ele esperava
Deu a mulher pra beber
Mas algo a incomodava.

Ele a deitou de bruços
E deu-lhe um tapa nas costas
E percebeu que o compadre
Tinha perdido a aposta
Pois a trapaça do cão
Não foi a melhor proposta.

Da boca daquele mulher
Saiu uma grande cobra
Ela muito agradeceu
Dizendo: tenho de sobra
Muitas moedas de ouro
Lhe darei pela manobra!

Ele ganhou mais de mil
Sacos daquelas moedas
E saiu de volta pra casa
Dizendo: só Deus me arreda
Pois o cão além de coice
Também levou uma queda!

Continua.....