25/11/2018

SAUDADES DE LUIZ GONZAGA - PÁDUA DE QUEIRÓZ


Saudades de Luiz Gonzaga



Meu cordel pede licença
Para entrar nesta seara
Sou poeta cearense
Arigó, sou pau de arara
A saudade é uma ferida
Que nem mesmo o tempo sara.



Saudade não é direito
Me incomodar tanto assim
Você maltrata e machuca
Parece que quer meu fim
Saudade desapareça
Saia de perto de mim.



Sei que é natural da gente
Este vazio que fica
Lacuna impreenchível
Que cada vez mais se estica
Já que não quer ir embora
Vamos mexer na futrica.



Eu sinto falta até hoje
De Luiz, Rei do Baião
Porta voz da gente humilde
Que vive no meu sertão
Seu canto falava de um povo
Que seguia a procissão.


Luiz Gonzaga nasceu
Na cidade de Exú
Hoje mora bem distante
Do seu velho Pajeú
Mas cantou com alegria
Uma pra mim, outra pra tu.


A sua música é memoria
Do nordeste brasileiro
Narrava fatos da gente
Eita, caboclo festeiro
Padim Ciço e Virgulino
O maior dos cangaceiros.


Paulo Afonso foi cantado
Como forma de gratidão
A este grande engenheiro
Que trouxe luz pro sertão
Era o progresso chegando
Para toda região.


Protestou contra a injustiça
Que a justiça não fez
Quando Raimundo Jacó
O vaqueiro se desfez
Assassinado brutalmente
Num ato de insensatez.


Dizer que no Ceará
Hoje não tem disso não
Se seu Luiz fosse vivo
Era só decepção
O seu fole gemedor
Não tocava mais baião.


Eu que escrevo cordel
Já estou quase maluco
Até meu são João na Roça
Virou coisa de caduco
Já não bebo e só escuto
Cana só de Pernambuco.


O forró do Mané Vito
Não tá mais daquele jeito
Mulher da cintura fina
Mais parece um sujeito
Tem um gogó no pescoço
E tem cabelo no peito.


É por isso que eu sinto
Saudade de seu Luiz
De liforme instravagante
E é o povo que diz
Que aquela lorota boa
Fazia nós tão feliz.


Não tem mais dança da moda
Tudo tá qui nem jiló
Confesso que eu nem sei mais
Dançar aquele forró
Também não tem alegria
No sertão do siridó.


Mas eu fico imaginando
Como é que hoje seria
As canções de Gonzagão
Falando do dia a dia
Depois que a lava jato
Ao mundo revelaria.


Toda essa roubalheira
Dos coronéis de gravata
O país dilacerado
E delação que constata
Que o povo pagava a conta
Dessa politica ingrata.


Para piorar as coisas
Nunca mais vi um vaqueiro
Montado em seu cavalo
Tangendo o gado leiteiro
É em riba de uma Titã
E asfaltado o terreiro.


Tudo ficou no passado
Nem carta se escreve mais
Tudo é pelo watsap
E outras redes sociais
Nem sanfona ninguém toca
Vou dizer come é que faz.


O cabra pega um pendrive
Ou até mesmo um cartão
Mete na bicha um playback
Com xote do Gonzagão
E o povo ainda diz: 
Êita sanfoneiro bão!


Quando aparece um
Que toca um “negocim”
Não canta nada que preste
Vou dizer é mesmo assim:
“Alô meu patrão forte
Manda um red bull pra mim!”


Já faz quase trinta anos
Que Luiz Gonzaga partiu
Depois dele nunca mais
Algo bom se produziu
E na sala de reboco
Toda parede já caiu.


Ô véio macho que saudade
Isso é judiação
Eu só vejo nas estradas
O jumento nosso irmão
Vagando sem ter destino
E sem nenhuma proteção.


Hoje no meu pé de serra
Deixei ficar meu coração
Meu coração retirante
Quero voltar pro sertão
Pois acredite saudade
Esqueceram Gonzagão.


Que nas léguas tiranas
Caminhou com os romeiros
Pra falar com Padim Ciço
O santo do Juazeiro
Tendo a lua como guia
E o sol como companheiro.


Aqui termino meus versos
Feitos para homenagear
O nosso Rei do Baião
Com vontade de chorar
Mas eu sei que um bom remédio
Pra saudade é cantar.


BATURITÉ – 02.OUTUBRO.2017
Pádua de Queiróz
capa: esferogravura de Pádua de Queiróz




PÁDUA DE QUEIRÓZ - LITERATURA DE CORDEL(BATURITÉ)




PÁDUA DE QUEIRÓZ(POETA CORDELISTA) - MESTRE DOS SABERES E FAZERES DAS CULTURAS POPULARES DO MUNICIPIO DE BATURITÉ/CE - LEI MUNICIPAL 1809/2018


EU SÓ SEI QUE FOI ASSIM - Homenagem à ARIANO SUSSUNA


EU SÓ SEI QUE FOI ASSIM



Eu queria ser João Grilo
Sabido que ele só
Mas na realidade eu pareço
Com o seu amigo Chicó
Eu confesso sou medroso
E por demais mentiroso
Minto tanto que dá dó.



Por isso preste atenção
Na minha arte de rimar
Mas antes eu sei que é preciso
Um café com letras tomar
Para aguçar a memória
Pois faz parte da historia
“O homem de Taperoá”.



Ariano Vilar Suassuna
Dramaturgo, ensaísta,
Poeta e professor,
Paraibano romancista
Na arte de escrever
Não me acanho em dizer
Foi o maior dos artistas.


Ele empunhou a bandeira
Do Nordeste cultural
Criando em Pernambuco
O movimento armorial
Com o único objetivo
O apoio expressivo
A cultura regional.


Música, dança e teatro,
Literatura de Cordel
As raízes nordestina
Ariano foi fiel
E nossa grande fortuna
É a arte que Suassuna
Deixou ao partir pro Céu.


Baturité, minha terra
De gente maravilhosa
Vou lhe contar uma história
E que não ficou famosa
Que um dia acorreu comigo
Preste atenção no que digo
Não vá pensar que é prosa.



Eu ainda era menino
Mas me lembro muito bem
No Bairro do Putiú
Perto da estação do trem
Eu brincava com o wedney
Com um brinquedo que ganhei
Chamado de “vai-e-vem”.


Nisso o povo ia passando
Vendo nós dois animados
Eu de um lado do trilho
E meu amigo do outro lado
Com aquele novo brinquedo
Tranquilamente sem medo
Eu estava mesmo encantado.


Era uma bola bicuda
Transpassada por cordão
Sorriamos de orelha a orelha
Com tamanha diversão
Se eu puxava ela ia
Se ele puxava ela vinha
Êita, que animação!


Mas algo naquela hora
Estava acontecendo
Começou a chegar gente
Lá na estação correndo
Todo mundo na cidade
E com aquela novidade
Nem estávamos percebendo.


Toda aquela agitação
Todo aquele aperreio
Foi quando eu ouvi um grito:
Meninos, saiam do meio
Que o trem das sete horas
Tá chegando ali agora
E totalmente sem freio!


Eu olhei para o wedney
Que também olhou pra mim
Eu disse: Nossa senhora!
Que desgraceira sem fim!
Eu só vi o trem chegando
E o maquinista apitando
Foi exatamente assim.


Foi tão rápido o acontecido
O trem sem freio apitando
E era gente correndo
E era gente gritando
Porem eu não senti medo
Não larguei o meu brinquedo
Fiquei ali segurando.


Do outro lado do trilho
O wedney sustentou
Em suas mãozinhas o vai-e-vem
No momento o trem passou
Eu só senti um puxão
E um tremor em minha mão
E foi ai que o trem parou.


Um fumaceiro danado
Cobriu todo o ambiente
Eu tentei mais não vi nada
Que estava a minha frente
Um silencio sepulcral
Tomou conta do local
Não ouvi um “pio” de gente.


É um milagre! É um milagre!
Começaram a gritar.
E os passageiros do trem
depressa a desembarcar
Correndo em direção a praça
E de repente a fumaça
Dissipou-se no ar.


Foi ai que eu percebi
Que ainda eu tinha na mão
A cordinha do vai-e-vem
E ali eu dei um puxão
E o wedney do outro lado
Disse: puxe com cuidado
Pra que tanta afobação!


Ei, Padinha, desse jeito
Você vai me derrubar
Deixe de brutalidade
Assim eu não vou mais brincar!
Fique com o seu vai-e-vem
Olha só, até o trem
Chegou para atrapalhar!


Foi quando chegou ali
O chefe da estação
Dizendo então para nós:
Queremos uma explicação!
E não deixem pra depois
Como é que vocês dois
Pararam a composição?


E eu sem entender nada
E o wedney também
Devagar fomos enrolando
O brinquedinho vai-e-vem
Nós estávamos “P” da vida
Por ter sido interrompida
A brincadeira pelo trem.


Cada qual foi pra sua casa
Porque já era noitinha
O Wedney pra casa dele
E eu fui pra casa minha
Eu guardei o meu brinquedo
E guardei esse segredo
Não contei pra minha mãezinha.


Só que esse ocorrido
Nunca foi noticiado
No jornal da capital
Do meu querido estado
Nem rádio e televisão
Nenhuma notificação
Do tal trem desgovernado.


Eu tinha só onze anos
Mas ainda eu guardo em mim
Lembranças da minha infância
Que parece não ter fim
Sou poeta nordestino
Mas te digo “Seu menino”
EU SÓ SEI QUE FOI ASSIM!


Ariano Suassuna
É hoje homenageado
Vai o homem e fica a obra
Como o maior legado
Eu sou Pádua de Queiróz
E Deus proteja todos nós
Até logo e obrigado!

BATURITÉ – 19/11/2017
Pádua de Queiróz