Saudades de Luiz
Gonzaga
Meu cordel pede licença
Para entrar nesta seara
Sou poeta cearense
Arigó, sou pau de arara
A saudade é uma ferida
Que nem mesmo o tempo sara.
Saudade não é direito
Me incomodar tanto assim
Você maltrata e machuca
Parece que quer meu fim
Saudade desapareça
Saia de perto de mim.
Sei que é natural da gente
Este vazio que fica
Lacuna impreenchível
Que cada vez mais se estica
Já que não quer ir embora
Vamos mexer na futrica.
Eu sinto falta até hoje
De Luiz, Rei do Baião
Porta voz da gente humilde
Que vive no meu sertão
Seu canto falava de um povo
Que seguia a procissão.
Luiz Gonzaga nasceu
Na cidade de Exú
Hoje mora bem distante
Do seu velho Pajeú
Mas cantou com alegria
Uma pra mim, outra pra tu.
A sua música é memoria
Do nordeste brasileiro
Narrava fatos da gente
Eita, caboclo festeiro
Padim Ciço e Virgulino
O maior dos cangaceiros.
Paulo Afonso foi cantado
Como forma de gratidão
A este grande engenheiro
Que trouxe luz pro sertão
Era o progresso chegando
Para toda região.
Protestou contra a injustiça
Que a justiça não fez
Quando Raimundo Jacó
O vaqueiro se desfez
Assassinado brutalmente
Num ato de insensatez.
Dizer que no Ceará
Hoje não tem disso não
Se seu Luiz fosse vivo
Era só decepção
O seu fole gemedor
Não tocava mais baião.
Eu que escrevo cordel
Já estou quase maluco
Até meu são João na Roça
Virou coisa de caduco
Já não bebo e só escuto
Cana só de Pernambuco.
O forró do Mané Vito
Não tá mais daquele jeito
Mulher da cintura fina
Mais parece um sujeito
Tem um gogó no pescoço
E tem cabelo no peito.
É por isso que eu sinto
Saudade de seu Luiz
De liforme instravagante
E é o povo que diz
Que aquela lorota boa
Fazia nós tão feliz.
Não tem mais dança da moda
Tudo tá qui nem jiló
Confesso que eu nem sei mais
Dançar aquele forró
Também não tem alegria
No sertão do siridó.
Mas eu fico imaginando
Como é que hoje seria
As canções de Gonzagão
Falando do dia a dia
Depois que a lava jato
Ao mundo revelaria.
Toda essa roubalheira
Dos coronéis de gravata
O país dilacerado
E delação que constata
Que o povo pagava a conta
Dessa politica ingrata.
Para piorar as coisas
Nunca mais vi um vaqueiro
Montado em seu cavalo
Tangendo o gado leiteiro
É em riba de uma Titã
E asfaltado o terreiro.
Tudo ficou no passado
Nem carta se escreve mais
Tudo é pelo watsap
E outras redes sociais
Nem sanfona ninguém toca
Vou dizer come é que faz.
O cabra pega um pendrive
Ou até mesmo um cartão
Mete na bicha um playback
Com xote do Gonzagão
E o povo ainda diz:
Êita sanfoneiro bão!
Quando aparece um
Que toca um “negocim”
Não canta nada que preste
Vou dizer é mesmo assim:
“Alô meu patrão forte
Manda um red bull pra mim!”
Já faz quase trinta anos
Que Luiz Gonzaga partiu
Depois dele nunca mais
Algo bom se produziu
E na sala de reboco
Toda parede já caiu.
Ô véio macho que saudade
Isso é judiação
Eu só vejo nas estradas
O jumento nosso irmão
Vagando sem ter destino
E sem nenhuma proteção.
Hoje no meu pé de serra
Deixei ficar meu coração
Meu coração retirante
Quero voltar pro sertão
Pois acredite saudade
Esqueceram Gonzagão.
Que nas léguas tiranas
Caminhou com os romeiros
Pra falar com Padim Ciço
O santo do Juazeiro
Tendo a lua como guia
E o sol como companheiro.
Aqui termino meus versos
Feitos para homenagear
O nosso Rei do Baião
Com vontade de chorar
Mas eu sei que um bom remédio
Pra saudade é cantar.
BATURITÉ – 02.OUTUBRO.2017
Pádua de Queiróz
capa: esferogravura de Pádua de Queiróz
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